terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Brinco de mulher



Uma vez, eu me apaixonei por um brinco. 

Não, não pra eu usar, mas por um que estava sendo usado por uma mulher.


Esse brinco brincava comigo e cada dia ele aparecia de um jeito diferente. Tinha dia que ele aparecia de metal em forma de argola, tinha dia que era comprido de madeira ou casca de árvore.

Algumas vezes era apenas uma pedrinha brilhando discretamente, outra era uma pena de alguma ave tropical. Tinha vezes que o brinco nem aparecia, mas mesmo assim eu ficava ali olhando apaixonado.

Eu nunca fui tão fiel, mas fazia questão de não olhar para nenhum outro brinco. 

Às vezes até batia a tentação de olhar discretamente para um colar ou uma pulseira que tentava imitar o brinco, mas eu sempre voltava toda a minha atenção para aquela formosidade.


E sempre que podia, eu chegava bem perto do brinco e falava bem baixinho, quase sussurrando no ouvido da dona do brinco: Eu te amo.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Tudo começaria pela capa.


Ele ainda era um daqueles últimos românticos que acreditava em encontrar sua alma gêmea no metrô ou no ônibus, numa quinta-feira de chuva, indo pro trabalho.

Ele não sabia como ela seria. Alta, baixa, loira, morena, olhos claros ou castanhos.  Só havia uma certeza sobre ela: estaria lendo o mesmo livro que ele.


Ele já havia imaginado aquela cena de diversas maneiras. E tudo começaria pela capa.

Ele estaria lendo “20.000 léguas submarinas”, ela também, eles dariam uma risada ao reparar nos seus livros, ela perguntaria se ele está gostando, ele diria que sim, ele perguntaria se ela já chegou na parte que aparece a lula gigante, ela diria que não, ele pediria desculpa pelo spoiler, ela responderia que ele poderia se desculpar pagando um café para ela e, a partir daí, começaria a ser escrita uma nova história.

Ou então, ele estaria lendo um clássico de Shakespeare, “Romeu e Julieta” talvez, ela também, eles dariam risada ao reparar nos seus livros, ele perguntaria se ela está gostando, ela diria que sim, ela perguntaria se ele acredita em amor à primeira vista, ele responderia que não acreditava até aquele momento, ela daria um risinho tímido, ele se apaixonaria pelas suas covinhas e, a partir daí, começaria a ser escrita uma nova história.


Ou, quem sabe, ele estaria lendo a biografia do Metallica, ela também, eles dariam risada ao reparar nos seus livros, ele perguntaria se ele está gostando, ele responderia que sim, ele perguntaria se ela já foi a um show deles, ela responderia que sim, mas sempre sozinha porque era a única do seu grupo de amigos que gostava de Metallica, ele falaria que tinha dois ingressos pro próximo show dele, ela aceitaria o convite e, a partir daí, começaria a ser escrita uma nova história.


E foi naquele dia, naquela quinta-feira chuvosa, que ele acordou com uma sensação diferente, uma sensação de que algo surpreendente iria acontecer.

Colocou seu livro “O Rei do Inverno” na mochila, saiu de casa, andou até o metrô, entrou no vagão mais perto da escada e olhou para as 3 mulheres ao seu redor.


Uma estava com um Kindle, outra com um Kobo e a terceira, que estava mais perto, com um iPad.

Todas estavam lendo, mas, sem as capas, nunca saberemos qual história.